segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Crônica: "BORANDÁ"


"BORANDÁ"*

por Ana Soranso


É inevitável o cheirinho de café no ar. Faz lembrar a cozinha de casa, quando a mãe da gente faz um café da tarde. Aquele cheiro de café fresquinho.
No chão, folhas do pé de café. No inesperado, surge alguém contando uma história, a história da geada de 75.
É como estar num teatro de arena. Ao entrar, outros personagens à nossa espera, cantando uma música de ritmo eufórico com violão e percussão. Essa alegria ficou para poucos, como sempre. Para a maioria, o desconforto.
O senhor tem que sair! Essa terra não lhe pertence mais, é do banco agora.
Com a geada os pequenos produtores não conseguiram plantar seu café, perderam tudo. Tudo foi queimado pelo granizo, que cobriu de branco todo o norte paranaense. Sem a plantação não há forma de pagar o “monstro”.
O que fazer sem a terra para plantar? Ir procurar espaço na cidade? Mas senhor, eu sou homem da terra. Há terra em Esperança. Lá sim eles precisam de desbravadores para as infinitas terras do norte do país. Pra lá então se deve ir. Qual seu nome? Não faz diferença, aqui vocês são todos Paraná. Na verdade, Paraná mesmo não existe, pois, na corrida em busca pelo ouro verde, muitos sergipanos, alagoanos, pernambucanos, mineiros, paulistas foram tentar seu pedaço de terra no norte do Paraná.
Com a geada, muitas coisas mudaram. A terra deixa de brotar o café e cede espaço para a soja. Não é mais necessária a mão-de-obra do homem, agora existem máquinas que trabalham por dez famílias. Mas não há desespero, para este povo que sobra, a construção civil. É o progresso que chegou por aqui!
Para quem deseja tentar a vida na cidade, não se preocupe. Há muitos “bares” como o de D. Marieta recrutando belas meninas para um trabalho de grandes “recompensas”. Bares, onde a moral há muito deixou de ser moeda de troca. Aqui, o que não se junta nas mesas, se junta nas camas.
Ela se suicidou?! Foi encontrada enforcada, pendurada numa árvore. Mas não faz falta! Ninguém faz falta, afinal, grandes barões estão felizes com suas novas produções e aquisições de terras a preços módicos. E não precisam se preocupar, pois meninas como essa há e muitas em Londrina. Aliás, tornou-se um dos maiores setores da economia da cidade. Um produto que se encontra até importado, caso seja da preferência do cliente.
As palmas parecem altas e tímidas. Um nó na garganta de todos nós. Engasgamos com aquele saboroso café. O café fresquinho gelou. Ficou com gosto amargo. Causou um mal estar.
O homem que é da terra não pára. Continua na andança em busca de esperança, em busca de terra, em busca de vida.
Borandá Zé!


* Esta Crônica foi públicada no Jornal "Em Cena", Jornal da Vila Cultural casa do Teatro do Optimido, em sua 4° edição, Setembro de 2009

** Ana Soranso é Estudante de Comunicação Social (Jornalismo) na Universidade Estadual de Londrina - UEL/PR -e é integrante do Projeto Teatro e Transformação Social- teatro do Oprimido nas Escolas, desenvolvido Pela FTO

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